Neva

27-01-2021

Há uns anos experienciei um dia verdadeiramente sublime, quando, inesperadamente, nevou em Braga. O extâse foi tal que tive de (tentar) escrever um poema, ou algo parecido, para registar o momento. Este Inverno só vi neve nos picos do Soajo e não tive a oportunidade de presenciar o momento, inexplicável, em que começa a nevar. Para mim, assemelha-se assistir a um nascimento ou a uma morte. A energia no ar torna-se tão forte, tão presente a Existência, que não consigo não me comover. 

Como este Inverno está a ser intenso, em todos os sentidos, fica aqui a partilha.

Que esta Neve acalme os nossos corações.


Neva I

Neva.
Do céu caem pedaços brancos...
Desfazem-se rapidamente
Mas são "eternos enquanto duram".
Tudo pára,
Tudo escuta,
Tudo observa...
O silêncio entre o Céu e a Terra
Exprime-se através da voz, branda e doce
Da Neve.
Ela brilha ao sol e derrete-se no calor das mãos.
As crianças, as grandes e as pequenas,
Rejubilam e sentem que nada há de mais belo e divertido!
A neve é macia,
Ela é recortada e brilha...
Eu vi um Cristal perfeito!
A iluminação da água,
A sublimação de um elemento!
E ela mostra-se para todos nós!
Quando ela cai,
Tudo fica suspenso,
Tudo pára, escuta e olha,
Tudo é paz, quando neva.
Um homem não máta outro quando neva,
O Céu e a Terra não permitem que se rompa o silêncio!
A neve reina sobre a Terra
Representa o céu,
O alto,
O puro,
O sublime,
O que temos de alcançar...
Mas é tão leve e subtil,
Tão efémera
Chegaremos a essa perfeição?
A esse estado de nada querer,
De só existir?
A neve disse-me que sim,
Que dentro de nós há um Cristal,
Cada um com a sua forma perfeita,
Aguardando serenamente,
Condições para brilhar.
Quando o Céu e a Terra chegarem a acordo,
O representante do silêncio vem,
O Cristal que já foi líquido, que já foi gás,
Agora é duro e leve, perfeito e desfeito.
Se dentro de nós o ar está puro,
Ele pode brilhar à luz do sol.
Chamem-me nesse instante!
Eu quero ver, quero estar lá!
Quando o alto desce ao baixo e
Baixo sobe ao alto,
A neve cai e o amor entre o céu e a terra
Expressa-se aos Homens de bom coração...
Quando nevar dentro de mim.


Neva II


Não me chega um poema!
A neve caiu e eu vi!
Posso morrer porque a vi!
Vi cristais ao pormenor, formas perfeitas,
Simétricas, sem estéticas!
Vi céu branco e cortinas esvoaçantes
Dançando ao som do silêncio.
Suspenso. Tudo suspenso.
Tudo à espera.
Nada mais importa...
Que se lixe o trabalho!
Está a nevar!
E as dúvidas, preocupações?
Invejas, confusões?
Neva, neva!
A majestade desceu!
Vamos recebê-la bem.
Mantos brancos cobrem o solo,
Os jardins e praças da cidade,
As árvores do bosque,
As couves do lavrador.
Vem, majestade, vem!
Desce e sussurra-me baixinho,
Qual é o teu segredo?
O que te faz tão doce e leve e meiga?
Como ficaste tão pura e perfeita?
Fizeste dieta, foste a palestras, leste livros,
Seguiste mestres?
Ou saltaste rochedos, soltaste os cabelos,
Correste ao vento?
Diz-me, eu não conto a ninguém...
Os homens também não vão querer saber
Quem és.
Assim branca e sublime,
Amam-te todos, nem sabem porquê,
Mas não querem conhecer-te melhor.
Eu quero.
Conta-me que és tu, de onde vens, para ondes vais,
Conta-me os mistérios e os segredos dos lugares
Por onde andaste.
Conta-me o que viste, o que aprendeste.
Como te tornaste assim?
Quero essa paz e o meu querer não tem fim,
Não me deixa em paz (este querer sem fim).
Cais e tudo pára.
Tudo te admira, ninguém te magoa,
Tudo te respeita,
Porquê? Se és tão frágil e delicada?
Podiam fazer-te maldades,
Vender-te, torturar-te,
Lutar por ti, quem sabe...
Matar-te!
Mas não, todos os Homens páram
E quando olham, no silêncio
Dos seus corações, tu fálas-lhes,
E dizes baixinho:
Eu estou dentro de ti,
E eles acreditam, enquanto te vêem,
Enquanto tu cais, enviada pelo teu pai,
Em missão secreta até à tua mãe.
Quando te vais,
Eles esquecem.Todos te esquecem.
E tu ficas triste,
E só voltas quando te esqueces
Que te esqueceram
E o teu pai faz amor com a tua mãe
E tu renasces sem memórias.
Choras em silêncio. Tu és o silêncio.
Não és difícil de cuidar. És um bebé doce e frágil,
Todos te querem pegar.
És menino ou menina? Ninguém sabe...
Pareces um dois em um!
Nasces e cresces e morres num só dia.
Quando te vais ficam lembranças e fotografias.
Mas tu vais triste porque te vão esquecer,
Já sabes. E tens de ir, não podes ficar,
Cada coisa no seu tempo!
E o teu tempo é o teu tempo e
Depois vem o sol e as árvores a as flores querem mais
E tu vens também, mas não és bem tu,
És tu transformada, líquida e gasosa,
Tu ainda-não-perfeita, parece que voltas atrás....
E repetimos vezes sem conta este teu estado até que,
Um dia, sem ninguém esperar,
Um dia que não esperaste,
Um dia em que o universo se reúne e conspira,
é decidido que tu vens, again,
E cais, neve, cais no meu coração
E sussurras-me baixinho:
"Deixa-me ficar aqui..."
Eu deixo. Ficas comigo para sempre.
Nunca te esquecerei, prometo.
Um dia serei neve e hei-de cair do céu
E desfazer-me na Terra.
Hei-de ser pisada e amada,
E hei-de cair em alguns corações,
Nos que disserem: "fica aqui..."

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